Publicado em 7 de outubro de 2020.
Trump está ameaçando banir algumas redes sociais chinesas do mercado americano, por fazerem exatamente o que fazem Facebook, WhatsApp, Instagram, Twitter e todas as outras, desde o finado Orkut. Elas foram denunciadas no filme Dilema das Redes por causa do caminho encontrado para venderem com imensa efetividade.
“Vender” é levar alguém a tomar uma decisão, a decisão de comprar alguma coisa. O processo é muito mais poderoso se o vendedor conhece bem a pessoa com quem ele fala. Se ele tem um catálogo enorme de produtos e algumas pessoas para quem vender, é melhor vender produtos esportivos para quem gosta de esporte, produtos de informática para quem gosta de informática, produtos de cozinha para quem gosta de cozinhar e assim por diante. O que acontece com as redes sociais é que, como elas têm um montão de informações a respeito de um número imenso de pessoas, fica fácil para as suas clientes (com seu catálogo de produtos), produzir um anúncio que chega apenas a um grupo imensamente preciso de prováveis consumidores — um exemplo seriam homens entre 25 e 35 anos, solteiros, negros, com renda mensal entre R$ 5.000,00 e R$ 15.000,00, heterossexuais e cristãos, que já compraram passagens de avião, compraram bebida alcoólica e votam à esquerda, outro poderiam ser mulheres gaúchas, entre 45 e 55 anos, sem filhos, que praticam esportes, compram pacotes de viagens internacionais e comida pronta. As empresas produzem peças publicitárias, memes, textos, vídeos engraçados e até produtos levemente diferentes para cada grupo, vendendo diferentes características para cada um e se mostrando de maneira um pouco diferente para cada pessoa. Assim se pode conduzir aquele grupo específico a tomar as decisões mais úteis (para quem o conduz).
Para a gente proteger nossa própria autonomia, a recomendação é a de utilizar as tais redes sociais de maneira moderada e consciente, procurando compreender que nem tudo o que se vê ali é verdade ou correto. Se a gente entra desatento, acaba fazendo compras de impulso ou concordando na entrega de dados privados sem pensar direito no que está fazendo ou dizendo. A privacidade e a reflexão a respeito das nossas ações criam uma proteção razoável, se levamos enconta apenas as consequências individuais dessas decisões. Dou como exemplo um amigo que comprou um treco esquisitíssimo, que ninguém deveria usar, em resguardo à própria saúde mental. Mas foi o dinheiro dele, decisão exclusivamente individual e não está causando qualquer dano a ninguém.
Mas agora estão chegando as eleições e as consequências deixam de ser apenas individuais. A democracia é o regime em que o povo (demos) participa das decisões do poder (kratos). E essas decisões são coletivas, isto é, elas são decisões que misturam inúmeras decisões individuais em uma decisão maior, da coletividade inteira. O momento do voto, por exemplo, é só aparentemente individual. Antes de chegar na urna a gente conversa com os amigos, participa em panelaços, passeatas, discussões públicas, lê mensagens, sites, jornais, assiste discussões públicas, vídeos, TV e… redes sociais! Então aquele momento do voto, que parece tão individual e solitário, é o resultado de um monte de atividades coletivas, de interações que a pessoa teve antes de chegar na frente da urna. As decisões são coletivas e as consequências também.
Por isso é importante regulamentar o uso político dessas poderosíssimas estruturas de condução de multidões. Há tecnologias desenhadas para impedir qualquer fiscalização, com sofisticadas criptografias e nenhum registro eletrônico das mensagens trocadas pelos usuários. É o sonho do crime organizado e um ataque frontal à soberania do país. Precisamos, como povo, decidir os limites sociais desse tipo de empresa.