Vamos entender a maneira como a Constitição proíbe o reacionarismo, para melhor compreender as atrocidades coonestadas pelo Supremo
Publicado em 18 de fevereiro de 2022.
O texto da semana passada mencionou que não pode haver emenda constitucional ou lei que tenha por consequência o atraso social. Agora pago a dívida e explico melhor o que é a vedação do retrocesso, norma em vigor em inúmeros países desenvolvidos e que recebeu uma formulação bem peculiar pelo nosso STF.
O nome é meio esquisito, mas o significado é bem simples. Vedação é proibição, portanto a norma diz que é proibido o retrocesso, ou seja, o caminho contrário ao progresso social. É proibida a criação de leis para o atraso da sociedade, significando leis que diminuam a democracia social, reduzindo direitos sociais e desmontando instrumentos para sua proteção prática. A vedação do retrocesso proibe a reação ao progresso social.
O artigo 3º da Constituição da República estabelece que o objetivo da sociedade brasileira é o progresso social e o desenvolvimento econômico. Ela quer que a gente construia uma sociedade “livre, justa e solidária”, com “desenvolvimento nacional”, lutando contra a pobreza e as “desigualdades sociais e regionais”, procurando fazer o bem para todos e nos esforçando para eliminar preconceitos. As leis e políticas públicas precisam agir neste sentido, elas precisam ajudar a gente a se desenvolver e progredir. Se forem contrárias a isso, devem ser declaradas inconstitucionais.
O Supremo, portanto, tem a obrigação de fazer o Brasil caminhar para o progresso e o desenvolvimento, dizendo que não valem as leis e emendas constitucionais que nos atrasam social e econômicamente. Foi o caso da reforma trabalhista, obviamente contrária a qualquer sentido que se possa imaginar para a palavra “solidariedade”. A reforma construiu um muro financeiro para o acesso dos trabalhadores à Justiça Trabalhista e o STF fingiu que esse muro não atrapalhava o acesso à Justiça. Também destruiu a sustenabilidade financeira do sistema sindical, em afronta óbvia e ululante ao art. 8º da Constituição e à justiça social. Além disso, atacou de forma evidente a democracia, inventando a supremacia do negociado contra o legislado. Tudo isso o STF achou que fosse bom para os trabalhadores, que perderam mais de 70% dos seus rendimentos de 2016 até o final de 2021 (ver a tabela 9 no documento, aqui corrigindo seus valores pela inflação do período).
A mesma coisa vem acontecendo com a destruição da Previdência Social, que de direito assegurado a todos se transformou em expectativa e, depois, nem isso. O STF precisou reinterpretar absurdamente a noção de progresso social para que que as sucessivas reformas, todas elas tirando mais e mais direitos sociais, fossem vistas como um benefício para os cidadãos que perderam décadas de proteção. A Emenda 114 criou mais um calote na Previdência, atacando diretamente seu custeio e trazendo ainda mais instabilidade financeira, entretanto o STF nada viu de errado nisso. Por falar em direitos sociais, a maioria deles precisa de políticas públicas sérias para a sua implementação. Precisam de financiamento seguro e investimento constante para melhorar a prestação de serviços para a sociedade. A Emenda 95 desvia para a ciranda financeira, anualmente, bilhões de reais do dinheiro público, que poderia criar infraestrutura para nossa economia e benefícios diretos para a sociedade. Sobre esta violência contra a nossas soberania, cidadania e democracia, o STF não se opõe em qualquer sentido.
Refinarias de petróleo são cruciais para ajudar no desenvolvimento nacional, permitindo maior controle da economia, dos preços e garantindo a disponibilidade de produtos essenciais para a produção nacional. A Constituição tenta dificultar a entrega de conquistas sociais tão importantes, determinando que estas devam passar pelo Congresso Nacional. O atual governo, na ânsia de agradar as finanças e o capital internacional, criou fantasiosas subsidiárias e encontrou um caminho facilitando a liquidação de nossos esforços nacionalistas. O STF achou que isso está de acordo com os interesses do país, com a justiça social e o com o nosso desenvolvimento econômico.
Por tudo isso, é fácil ver que a Corte Máxima do país não tem qualquer compromisso com o progresso ou com o desenvolvimento. Mas, curiosamente, só se vêm ataques ao que ela faz corretamente, que é a defesa da mínima existência formal da democracia. As organizações do ódio atacam o STF exclusivamente quando ele tenta acertar.